O ponteiro Zezé recebeu a bola ao lado da área, vigiado de perto pelo lateral Édson Madureira. Ameaçou retroceder para o armador Ricardo, mas mudou o movimento do pé e deu um toque cavado para o fundo do campo, ganhando meio passo de vantagem sobre seu marcador. O cruzamento saiu suave e passou por cima do centroavante Puskas, que puxara a marcação no primeiro pau. Por pouco a bola não encobre também o camisa onze Anacleto, que subiu tudo o que pôde, logo ele, que nunca havia feito um gol de cabeça. Das cinco mil pessoas que superlotavam o acanhado estádio Vidal Ramos, nenhuma teve melhor visão do lance do que Zezé. Ele viu Anacleto dar com a testa em cheio na bola, que tomou o rumo do canto esquerdo do goleiro Rubens. Apanhado no contrapé, o velho Rubão se esticou todo, com a mão esquerda espalmada. Não houvesse a rede e a bola pararia nos pés de Zezé, depois da linha de fundo. Mas havia uma rede, e a bola ficou ali, no fundo do gol do Metropol.
Naquele instante, o Internacional de Lages marcava pela segunda vez na tarde de 27 de março de 1966. Anacleto, que tinha um canhão no pé esquerdo, também havia marcado o primeiro gol, mas de pé direito. Ele jamais havia marcado gols com o pé direito ou de cabeça, e quis o destino que o fizesse justamente no jogo mais importante de sua vida, o jogo que deu ao Internacional a maior conquista de sua história, o título de campeão catarinense de 1965. O lendário Metropol ainda marcaria o seu gol de honra, mas não seria suficiente para estragar a festa colorada.
O Inter de Lages, clube que havia sido fundado 17 anos antes por torcedores do Inter de Porto Alegre, não acabou ali. Na verdade, estava em plena ascensão. Ainda em 1966, inauguraria o seu próprio estádio, o Vermelhão, em um amistoso contra o Huracán de Buenos Aires. Em 1974 seria vice-campeão catarinense, com o centroavante Parraga, que brilharia depois na Ponte Preta. Teria ainda outras glórias que não constam sequer como nota de rodapé na história do futebol, mas que orgulharam sua torcida. Uma vitória contra a Máquina Tricolor, com Edinho e Rivellino, em 1978. A honra de ter Andrade, campeão do mundo pelo Flamengo, vestindo sua camisa vermelha em 1991. E a última grande festa, a conquista do campeonato estadual da segunda divisão em 2000, com um gol de falta de Kuki, ainda longe do sucesso que teria no Náutico.
Para todos que, como eu, frequentaram o estádio Vidal Ramos, o Internacional era um gigante. Porque representava a nossa cidade, porque amávamos o time sem pedir nada em troca, porque era aquele o futebol que nos chegava sem o chiado do rádio e sem o distanciamento da televisão. O Internacional era o nosso futebol com cheiro de grama, com o estampido seco da chuteira batendo na bola, com os lugares que ocupávamos domingo após domingo, longe demais dos Maracanãs e Morumbis, mas perto de nossos passos, de nossas casas, de nossos sonhos.
Assim como o Tejo não era mais belo que o rio da aldeia de Pessoa porque não era o rio da aldeia de Pessoa, amávamos o Internacional. Não era um clube que jogava as grandes ligas, que pisava os melhores gramados, que arrastava multidões, mas era o clube da nossa aldeia. Era, porque está desativado, vitimado por ele próprio, pelo futebol que não se faz mais com a renda dos jogos, pelo tempo que é tão diferente daquela tarde nublada de 27 de março de 1966.
Eu poderia falar do Internacional pelas histórias que ouvi, pelos dribles que vi, pelos gols que gritei. Poderia dizer que aquelas camisas vermelhas se espalhando pelo campo é meu sentimento mais remoto de pertença. Mas prefiro mostrar a foto do gol do título, com Anacleto já caído vendo a bola entrar, Rubens esticado no salto inútil, o estádio a décimos de segundo da explosão maior. Só por hoje, vou acreditar que o Internacional ficou congelado ali, a um sopro de sua glória maior. Porque faz 44 anos esta tarde e porque o Inter agora, parafraseando Drummond, é só uma foto na parede. E como dói.
Internacional 2x1 Metropol (Criciúma)
27 de março de 1966 – Campeonato Catarinense – FINAL (temporada 1965)
Estádio Municipal Vidal Ramos Júnior – Lages
Árbitro: José Witti da Silva (Paraná)
Inter: J. Batista, Antenor, Leoquídio, Setembrino e Carlinhos; Dair e Almir; Zezé, Ricardo, Puskas e Anacleto.
Metropol: Rubens, Pedrinho, Hamilton, Nenê e Edson Madureira; Zequinha e Milton; Calita (Galego), Idézio, Madureira e Wolney.
Gols: Anacleto aos 15 do 1° tempo; Anacleto aos 14 e Édson Madureira aos 30 do 2° tempo.
Obs.: com este resultado, o Internacional conquistou o campeonato catarinense de 1965.
3 comentários:
Mauricio
Sensacional lembrar deste jogo final do Catarinão de 1965. No ano anterior o Internacional foi vice-campeão quando perdeu para o Olímpico de Blumenau por 3x1. Voltando a esta final, os dois times eram brilhantes, o Metropol que já havia sido tri-campeão era um time a ser batido, com jogadores fantásticos. O Inter de Lages venceu com brilhantismo e empolgação.
Parabéns por esta bela postagem.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau
Como de hábito, baita texto. Não nos deixe na inanição! Atualize mais, please! :-)
Abraço
Sensacional o texto! É de arrepiar!! Parabéns para manter viva, ao menos em nossas memórias, as lembranças do nosso estádio!
Abraço
Paulão
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